quarta-feira, 31 de julho de 2013

Chitta vrtti

Segundo Gregor Maehle, quando a mente recebe estímulos sensoriais relacionados a um objeto, sua atividade comum é rapidamente compará-los com os dados que temos armazenados no passado, relacionados a todas nossas experiências anteriores que foram deixando suas marcas. Em seguida, é produzida a mais provável interpretação do que acredita ser aquele objeto.

Podemos analisar a seguinte situação: os sentidos relatam para a mente um estouro alto e ela diz, "Explodiu uma bomba nas proximidades – Proteja-se!". O funcionamento típico da mente é sempre analisar o impacto que um objeto tem sobre nós, seja para verificar se ameaça nossa sobrevivência, seja para calcular nossos ganhos.

Nossa rotina é dinâmica e essa relativa superficialidade é muito útil em algumas situações. No trânsito, durante reuniões ou em diversos casos que exigem uma ação rápida, nem sempre temos tempo de investigar a essência de todos objetos. 

No entanto, essa análise superficial das aparências pode nos fazer ignorar a profunda realidade subjacente de um objeto, e essa é uma das causas de nosso sofrimento (duhkha). No Yoga Sutra de Patañjali, o conceito de objeto refere-se também ao corpo, a respiração, aos sentidos, ao processo de percepção, ao senso de individualidade, ao intelecto, etc. 

Dessa forma, se acabamos por analisar apenas superficialmente nosso senso de individualidade, por exemplo, acabamos nos confundindo com nosso corpo, emoções ou pensamentos, que são transitórios, e esquecemos que nossa essência, a consciência (purusha), é imutável. Essa identificação com aquilo que é transitório foi definida no Yoga Sutra como avidya, a ignorância, considerando que ignoramos nossa real natureza.

Como afirma Maehle, uma das características da mente é refletir os objetos que a ela são dirigidos, como se fosse a superfície de um lago. Por isso, uma mente agitada, repleta de flutuações, irá refletir objetos um tanto quanto "deformados", como se estivéssemos observando nossa imagem num lago com muitas ondulações.

Nas sutras I.2 e I.3, Patañjali afirma que, quando as flutuações da mente (chitta vrtti) são suspensas, podemos repousar em nossa verdadeira natureza, pois nesse caso a mente é capaz de refletir os objetos exatamente como são, e a consciência pode experimentá-los diretamente. Esse é o significado de samadhi, a verdadeira experiência direta.

Quando a mente reflete objetos com flutuações, a consciência parece assumir a forma das modificações da mente (Sutra I.4), causando a identificação com aquilo que é impermanente e gerando sofrimento. Passamos a enxergar a realidade indiretamente, através de diversos filtros mentais. Esse conceito dos filtros é utilizado também pelos ocidentais, como é o caso de Richard Bandler e John Grinder.

Para ilustrar a atividade mental, Maehle descreve o conto budista de um elefante que está sendo apresentado a quatro homens cegos para identificação. O primeiro encosta no tronco e acredita que o elefante é uma espécie de tubo; o segundo segura a orelha e acredita ser uma folha de papel; o terceiro pega a perna e acredita que o animal seja um tronco de árvore, e o último toca o rabo e acredita que o elefante é um pincel.

O autor explica que de forma semelhante a mente enxerga apenas parte de um objeto devido à nossa cegueira interior, ao passo que a natureza intrínseca do objeto está escondida da nossa vista. Este processo é chamado de apreensão, ignorância ou ilusão. Ao colocar camadas sobre camadas de ilusão, a mente acredita estar se aproximando da verdade.

Embora essa atividade mental dinâmica e superficial seja útil nas tarefas do cotidiano, pode também nos impedir de experimentar a realidade profunda dos objetos. Patañjali propõe um refinamento das atividades da mente, a fim de transformá-la em intelecto, por meio da compreensão, ao invés da apreensão (trataremos detalhadamente das técnicas relacionadas e das diferenças entre mente, intelecto e ego nas próximas publicações). Nesse caso, utilizaríamos a mente apenas quando necessário.

Compreensão ocorre quando as ondulações desaparecem e a consciência pode ter uma visão cristalina do objeto. Compreendemos então que não somos o corpo, a mente, os pensamentos, as emoções, o ego ou o intelecto. Somos purusha (consciência).

Praticar yoga em geral nos ajuda a lembrar de nossa real natureza, já que auxilia a acalmar as ondulações. Cada tipo de personalidade irá se identificar com as diferentes escolas.

Durante a prática de Ashtanga, minha professora sempre nos lembra que "vocês não são o corpo, e é apenas o corpo que está doendo", ou "não é o corpo que está cansado, é a mente que está cansada". Ao levantar da cama de manhã cedinho, repito pra mim mesma "é apenas o corpo que tem sono". Saindo do banho no frio "é apenas o corpo que sente frio, não eu". Existem diversas possibilidades divertidas de dissociação.

Esse conhecimento discriminativo pode transformar nossas vidas. Podemos treinar observar as emoções e os pensamentos; observar a mente tentando assegurar nossa sobrevivência; observar o ego, etc., ao invés de nos identificarmos com eles. Esse treino traz muita paz.


(Referências bibliográficas: Yoga Sutra de Patañjali e "Ashtanga Yoga", Gregor Maehle, New World Library, 2007)

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