terça-feira, 30 de julho de 2013

Tédio e trishna

É comum que alguns praticantes tornem-se entediados após terem feito a série primária por vários anos ou meses. Já experimentei essa sensação, especialmente nas posturas fundamentais, e ficava secretamente desejando chegar logo nas posturas sentadas (rs). No entanto, como nos lembra Maehle, qualquer sinal de tédio nos mostra apenas que a mente está deixando de descansar no momento presente.

Pode ser fácil confundir a espontaneidade com a incapacidade de manter a mente focada. Muitas vezes deixei a mente divagar e permiti que diversos tipos de sentimentos negativos viessem à tona, sob o pressuposto de expressar uma suposta liberdade ou individualidade, ignorando o fato de que tais pensamentos eram, na realidade, o resultado de raiva, inveja, ciúme, etc. Ou seja, era uma espontaneidade baseada em tendências inconscientes (samskaras).

Em vez de tornar-nos livres nos desapegando da raiva, nós acabamos carregando-a em nossa prática, fazendo com que a prática se torne difícil ou tediosa. A mente anseia pelo shavasana desde padangushthasana, ou fica imaginando quando vai fazer a transição para a série intermediária.
Esta forma de sofrimento antecipado pode ser tanto uma manifestação de aversão (dvesha), quanto de desejo (trishna). Seja pela aversão ou pelo desejo, ambos impossibilitam desfrutar o presente, nos fazendo agir com base num condicionamento passado. Isso se reflete no termo "existência condicionada" (samsara). O oposto da existência condicionada é quando experimentamos a cada momento com frescor, como se fosse a primeira vez.

É praticamente certo que, durante nossa prática, certos acontecimentos irão testar nossa força de vontade e determinação, especialmente para os praticantes de Yoga Chikitsa, a série primária, que é terapêutica e purificadora. Os efeitos da purificação podem ser desagradáveis, dependendo de nossas ações passadas, só que apenas temporariamente. Pouco a pouco o sobe e desce de emoções se acalma e as dores diminuem (físicas e emocionais).

Exercitar trazer a mente de volta ao momento presente é um treino que aumenta nosso foco, além de ser um componente essencial da prática de Ashtanga. Esse treinamento irá refinar a mente (manas), a fim de transformá-la em buddhi (intelecto), e isso vai se refletir positivamente em todos os âmbitos de nossa vida.
Quando menos esperamos, o tédio, a aversão e o desejo são substituídos por uma apreciação gentil de cada postura, de cada momento.

Qual é nosso grau de comprometimento no caminho para a libertação?

Como diz Patanjali, liberdade é residir em nossa verdadeira natureza de consciência.
(Yoga Sutra I.3)

(Referência bibliográfica: Maehle, Gregor. Ashtanga yoga. New World Library, 2007)

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